quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Futebol e Justiça são coisas pra macho!!!


Olá, pessoal!

A história toda começou da seguinte forma: no final do mês de junho, uma coluna da Folha Online (Zapping) publicou que o jogador de um grande clube paulistano estaria negociando com o "Fantástico" uma entrevista exclusiva onde ele assumiria ser homossexual.

Um ou dois dias depois, num desses "adoráveis" programas de debate futebolístico que infestam a "também adorável" TV brasileira, o apresentador não se conteve e soltou a perguntinha infame: questionou ao diretor administrativo do Palmeiras, que estava presente ao programa - José Cyrillo Jr. - se esse jogador era do "Verdão". (Observação I: afinal de contas, é para isso mesmo que um monte de homens falando grosso se reúne nas tardes de domingo nesse tipo de programa, certo? Para fofocar sobre a sexualidade alheia e achar onde está escondido o "camuflado", não é?)

Muito bem, se por ato falho, por maldade ou por pura ingenuidade (sei...), Cyrillo soltou: "Não! O Richarlyson quase foi do Palmeiras, mas mudou para o São Paulo no dia seguinte à assinatura do pré-contrato". Nome citado, a confusão estava armada e a coisa acabou no "Fantástico" mesmo, mas com Richarlyson declarando publicamente não ser homossexual. (Observação II: eu teria um moooooooooooooooonte de coisas pra escrever sobre isso, mas esse não é o foco do post).

Essa história rendeu também uma queixa-crime contra Cyrillo. E é aí que entramos efetivamente no assunto que me fez escrever esse post. O Juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, da 9ª Vara Criminal de São Paulo, fundamentou que negaria o prosseguimento à queixa-crime porque "futebol não é coisa pra gay". Afirmou ainda que a Justiça, nesse caso, não é a melhor alternativa: “Quem é ou foi boleiro sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num ‘tête-à-tête’.” Ou seja, esqueça a Justiça e parta para a porrada!

Ainda para o Juiz Junqueira, gramado não é lugar de homossexual. “Futebol é jogo viril, varonil, não homossexual.” "Não há ídolos de futebol que são gays", diz ele. Papai Noel ligou e disse que virá para o jantar e que trará a Cuca e a Fada Sininho, não se esqueçam!!!

O "Festival de Bobagens" segue abaixo, na íntegra:

Processo nº 936-07

Conclusão

A presente Queixa-Crime não reúne condições de prosseguir.

Vou evitar um exame perfunctório, mesmo porque, é vedado constitucionalmente, na esteira do artigo 93, inciso IX, da Carta Magna.

1. Não vejo nenhum ataque do querelado ao querelante.

2. Em nenhum momento o querelado apontou o querelante como homossexual.

3. Se o tivesse rotulado de homossexual, o querelante poderia optar pelos seguintes caminhos:
3.a – não sendo homossexual, a imputação não o atingiria e bastaria que, também ele, o querelante, comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser heterossexual e ponto final;
3.b – se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados.

Quem é, ou foi BOLEIRO, sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num “TÈTE-À TÈTE”.
Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro.

Em Juízo haveria audiência de retratação, exceção da verdade, interrogatório, prova oral, para se saber se o querelado disse mesmo e para se aquilatar se o querelante é, ou não.

4. O querelante trouxe, em arrimo documental, suposta manifestação do “GRUPO GAY”, da Bahia (folha 10) em conforto à posição do jogador. E também suposto pronunciamento publicado na Folha de São Paulo, de autoria do colunista Juca Kfouri (folha 7), batendo-se pela abertura, nas canchas, de atletas com opção sexual não de todo aceita.

5. Já que foi colocado, como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram esta condição: “OLHOS ONDE SURGE O AMANHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”.

6. Esta situação, incomum, do mundo moderno, precisa ser rebatida.

7. Quem se recorda da “COPA DO MUNDO DE 1970”, quem viu o escrete de ouro jogando (FÉLIX, CARLOS ALBERTO, BRITO, EVERALDO E PIAZA; CLODOALDO E GÉRSON; JAIRZINHO, PELÉ, TOSTÃO E RIVELINO), jamais conceberia um ídolo seu homossexual.

8. Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas: SEJAS, CLODOALDO, PELÉ E EDU, no Peixe; MANGA, FIGUEROA, FALCÃO E CAÇAPAVA, no Colorado; CARLOS, OSCAR, VANDERLEI, MARCO AURELIO E DICÁ, na Macaca, dentre inúmeros craques, não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol.

9. Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas, forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si.

10. O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns colunistas (se é que realmente se pronunciaram neste sentido) teimem em projetar para os gramados, atletas homossexuais.

11. Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o acesso de tantos por agremiação.

12. E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro, se homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.

13. Mas o negro desvelou-se (e em várias atividades) importantíssimo para a história do Brasil: o mais completo atacante, jamais visto, chama-se EDSON ARANTES DO NASCIMENTO e é negro.

14. O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal.

15. Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio, por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análises do comportamento deste, ou daquele atleta, com evidente problema de personalidade, ou existencial; desconforto também dos colegas de equipe, do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.

16. Precisa, a propósito, estrofe popular, que consagra:
“CADA UM NA SUA ÁREA,
CADA MACACO EM SEU GALHO,
CADA GALO EM SEU TERREIRO,
CADA REI EM SEU BARALHO”.

17. É assim que eu penso... e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!

18. Rejeito a presente Queixa-Crime. Arquivem-se os autos. Na hipótese de eventual recurso em sentido estrito, dê-se ciência ao Ministério Público e intime-se o querelado, para contra-razões.

São Paulo, 5 de julho de 2007

MANOEL MAXIMIANO JUNQUEIRA FILHO
JUIZ DE DIREITO TITULAR


E aí, eu pergunto: é na mão de um homem desses que eu posso cair quando precisar da Justiça Brasileira? Esse argumento descabido, as referências deturpadas e as frases que usa (e da forma como as aplica) já seriam inaceitáveis vindas de um homem ignorante, que não teve a oportunidade do esclarecimento. Então, o que podemos dizer quando esse "discurso" parte de um Juiz de Direito que está a serviço da Justiça?

Após essas sandices, o Juiz terá que apresentar defesa prévia junto ao TJ. A sentença foi anulada pelo TJ-SP e a queixa-crime feita por Richarlyson será julgada novamente. O juiz também é alvo de uma representação apresentada pela ABGLT. Provavelmente, será aberto um processo disciplinar contra o juiz e o afastamento preventivo de suas funções por prazo inicial de noventa dias.

Além de se explicar ao TJ-SP, o magistrado também terá que apresentar ao Conselho Nacional de Justiça os motivos que o fizeram arquivar o processo de maneira tão absurda. O mesmo Conselho pode decidir pelo seu afastamento definitivo. Após esse fuá todo, o Juiz Junqueira Filho pediu licença do cargo.

Mas eu ainda acho pouco! Quantos "Juízes Junqueira" ainda temos por aí? Quantas pessoas que, dentro de suas atribuições, têm o dever de defender-nos, ampara-nos e atender-nos de forma justa, honesta e íntegra e que podem nos tratar com a mentalidade de um Inquisidor? E não falo apenas de juízes, mas também de médicos, professores, apresentadores de televisão, assistentes sociais, políticos, balconistas, manicures e padeiros.

Isso me irrita, decepciona e enoja...

Abraços...

4 comentários:

James Figueiredo disse...

SENSACIONAL.
COmo eu te disse, Peixinho, não posso ler esse tipo de coisa por que fico muito revoltado - Mas fiz um esforço e fui ler o texto na íntegra. Quando cheguei aqui:

"5. Já que foi colocado, como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram esta condição: “OLHOS ONDE SURGE O AMANHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”."

Não aguentei. PQP, o cara usou um HINO DE TIME DE FUTEBOL pra ""embasar" a sua decisão?! Fala MUITO sério, Leitão!

Nossa, o poder da negação é uma coisa assombrosa mesmo! Como é que um homem adulto fica tão cego pelo medo do homossexual ("homofobia" no sentido mais exato), pelo medo da idéia da existência da homossexualidade que simplesmente joga pro alto todas as ferramentas de raciocínio e lógica à disposição do ser humano?!?!

Puuuuuuutz....

Beijão enorme,
J.

Valdson Bernardes disse...

Oi, Peixe!

Pois é... O lance é revoltante mesmo!

A título de curiosidade, o hino citado é do time para o qual o referido juiz torce (segundo informações na imprensa), o Internacional de Porto Alegre.

Eu juro que, quando eu recebi a sentença por e-mail (foi o Wagner que me mandou), fui verificar a veracidade do conteúdo, pois não acreditei que um Juiz de Direito pudesse se expressar desse jeito.

Achei o texto em sites como o "Observatório da Imprensa" e o "Consultor Jurídico", exatamente da forma como postei aqui.

Ah! Você percebeu que no final do nome do Juiz tem um "Filho", né? Então, o papai dele também é "da lei" e, após saber da sentença, ligou para o filhote parabenizando-o pela "transparência". Percebe-se que a coisa vem "de berço"...

Puuuuutz... (de novo)

Beijão!

Pri disse...

Cara, revoltante é pouco.
Antes de ter amigo gay eu não enxergava a quantidade de preconceito que tem por aí.
E o incrível é q muitas pessoas se relacionam (amigavelmente) com gays sem saber da sua opção sexual e não há problema nenhum. Mas se descobrem de alguma maneira, a história muda. Como se a personalidade da pessoa, ou seu talento, sua capacidade, sua humanidade enfim, mudasse ao ser descoberta sua opção sexual.
Um absurdo.
Infelizmente, muitos gays são obrigados a viverem "camuflados" por causa do preconceito, principalmente se for uma pessoa prública.
Revoltante. Tudo isso me enoja profundamente.

Valdson Bernardes disse...

Oi, Pri!

Obrigado pela visita!

Pois é... nada como o "conhecimento de causa" pra gente começar a entender algumas coisas...

A única coisa que eu questiono é se alguém precisa ser "obrigado" a alguma coisa. Não acredito que as pessoas sejam "obrigadas a se camuflar". Eu acredito que seja mais estar disposto ou não a encarar os encargos de assumir sua orientação sexual.

Para pensar...

Beijos!